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Capítulo 9 - IRMÃO OURO
Descripción:

Estamos castigando a terra, os povos e as pessoas de um modo quase selvagem. E por trás de tanta dor, tanta morte e destruição, se sente o cheiro disso que Basílio de Cesareia chamava “o esterco do diabo”. A ambição desenfreada de dinheiro que governa. Esse é o esterco do diabo.

Libreto:
FRANCISCO A paz com vocês que me ouvem. Paz e bênçãos. Sou Francisco de Assis. Amigo dos pobres e inimigo das riquezas. Eu vivi há muito tempo. Há 800 anos. Nasci e me criei na Itália. Naquela época, ainda não se conheciam as terras da América. Me contaram que há 500 anos foi um italiano como eu, um tal Colombo, que as descobriu. E que depois vieram missionários para evangelizar estas terras, para batizar os índios...

OURO Cale-se, Francisco!... O que está dizendo? Você está completamente enganado.

FRANCISCO Quem me fala, quem me manda calar?

OURO Eu, Francisco. Falo do fundo da montanha. Mas como você tem bons ouvidos e sabe falar com as criaturas de Deus, me ouvirá.

FRANCISCO Te ouço, mas não sei quem você é...

OURO Sou... o ouro.

FRANCISCO Ouro?

OURO Sim, o ouro. Esse metal amarelo e brilhante, reluzente... ouro!

FRANCISCO Olha só, eu nunca tinha falado com metais... E para ser franco, nunca fui muito amigo teu... Mas, diga-me, por que me mandou calar, irmão Ouro? Por que diz que eu estou enganado?

OURO Porque esse tal Colombo não descobriu nada. Estas terras que agora você está pisando estavam descobertas há milhares de anos... Milhares de povos as habitavam. Os espanhóis e os portugueses não descobriram nada. Eles conquistaram, invadiram. Sabe quem eles estavam procurando por esses lados do mundo?

FRANCISCO Diga-me você, irmão Ouro.

OURO Procuravam a mim.

MULHER Era uma febre do ouro. Com os índios do Caribe trocaram ouro por espelhos. No México, pareciam porcos furiosos buscando ouro. No Peru, destruíram templos sagrados, convertiam tudo em barras de ouro. Procuravam em lagoas, nas selvas, até no fundo dos vulcões. Inventaram que havia uma cidade de ouro e enlouqueceram para encontrá-la. Ladrões, isso sim.

FRANCISCO Mas, ao menos, com esses ladrões vieram os missionários para evangelizar estes povos...

OURO Não, Francisco, não, está enganado de novo. Sim, não o nego, alguns foram bons. Mas a maioria fazia o jogo dos invasores... A espada em uma mão, a cruz na outra... Arrasaram as aldeias, violaram mulheres, mataram com pólvora...

FRANCISCO O que me conta me estremece o coração.

OURO Disseram-me que há um papa em Roma, que se chama Francisco como você, que denunciou o que aconteceu.

E disse o Papa Francisco no Encontro com os Movimentos Populares na Bolívia:

Peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas pelos crimes contra os povos originários durante a chamada conquista da América.

FRANCISCO Pelo que ouço, também ele se indignou com essas notícias antigas.

OURO Está enganado outra vez, Francisco. Não são antigas, são de agora, de agora mesmo. Os ladrões só mudaram de nome. Agora se chamam corporações do Canadá, empresas da China, dos Estados Unidos...

FRANCISCO E o que fazem estes novos?

OURO A mesma coisa. Me procuram, procuram o meu parente o cobre, o meu parente o ferro, o meu primo o carvão... Extrativismo! Isso fazem, nos “extraem”, nos tiram da terra, saqueiam estes países. Sabe como se chama este lugar no qual está?

FRANCISCO Na verdade não, irmão Ouro...

OURO Se chama Cajamarca, no norte do Peru. Aqui pertinho está a maior mina de ouro da América. Mas se você for no México, na Argentina, no Brasil, na Colômbia, no Chile, em Honduras, no Panamá, em toda América Central, no Equador, na Bolívia, no Caribe... Minas de ouro e de metais por toda parte...

FRANCISCO E como te tiram da terra, irmão Ouro, se você vive tão escondido?



OURO Já não é como antes, Francisco, quando abriam túneis. Agora removem montanhas inteiras, fazem crateras gigantes, moem milhões de toneladas de terra. E depois, para separar o pó de ouro dessa terra gastam enormes quantidades de água...

LOCUTORA A mina La Alumbrera, no norte da Argentina, consome 100 milhões de litros diários de água, mais do que bebe toda a população do país por dia.

LOCUTOR A mina Marlin na Guatemala gasta 250 mil litros de água por hora, a mesma quantidade de que precisa uma família camponesa em 30 anos.

OURO E essa água que utilizam a misturam com cianureto, com mercúrio, com arsênico... A água fica envenenada e se infiltra no solo. A água já não serve para beber e o solo já não serve para plantar.

FRANCISCO Mas, diga-me, irmão Ouro... as pessoas que vivem nesses lugares estão de acordo?

OURO Como podem estar de acordo? Mas estas empresas não consultam as comunidades. Só negociam com os governos e com os banqueiros...

FRANCISCO Compram consciências...

OURO Os governantes de direita e também os que se chamam progressistas todos fazem a mesma coisa. Dizem que assim se desenvolvem nossos países, que somos mendigos sentados sobre um saco de ouro. Mas as empresas retiram o ouro e o levam para fora.

FRANCISCO E o país fica com o quê?

OURO Esmolas. Migalhas. Crianças doentes, câncer, violência, bares, prostituição... Isso é o que sobra para as comunidades que vivem perto dessas minas. As chamam “minas a céu aberto”.

FRANCISCO A inferno aberto você quer dizer. Desculpe, irmão Ouro, quero te fazer uma pergunta indiscreta. Você... para que você serve?

OURO Para nada, Francisco. Para fazer joias. A água vale mais que eu.

FRANCISCO Isso mesmo, porque a água se bebe, mas o ouro não se come.

OURO Vou te contar um segredo. A maioria, a imensa maioria do ouro que tiram desses buracos enormes vai parar em outros buracos. Nos cofres dos bancos.

FRANCISCO O deus dinheiro, o esterco do diabo. E o que você gostaria, irmão Ouro?

OURO Gostaria que se esquecessem de mim. Que se adornem com penas de coloridas. Ou com cristais, que também brilham.

FRANCISCO Laudato Si!… Mineradora…? Mineradora Não!

Diz o Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si, Louvado Sejas:

As exportações de algumas matérias-primas para satisfazer os mercados no Norte industrializado produziram danos locais, como, por exemplo, a contaminação com mercúrio na extracção minerária do ouro ou com o dióxido de enxofre na do cobre... Constatamos frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais, que fazem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos ou do chamado primeiro mundo. Geralmente, quando cessam as suas actividades e se retiram, deixam grandes danos humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, esgotamento dalgumas reservas naturais, desflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras, colinas devastadas, rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar. (Laudato Si 51)

E disse o Papa Francisco no Encontro com os Movimentos Populares na Bolívia:

Estamos castigando a terra, os povos e as pessoas de um modo quase selvagem. E por trás de tanta dor, tanta morte e destruição, se sente o cheiro disso que Basílio de Cesareia chamava “o esterco do diabo”. A ambição desenfreada de dinheiro que governa. Esse é o esterco do diabo.



PERGUNTAS PARA O DEBATE

1- É justo falar do “descobrimento” e da “evangelização” de América?

2- Além de pedir perdão, o que mais a Igreja Católica deveria fazer para reparar os danos causados na Colônia?

3- Que vantagens e desvantagens tem a mineração a céu aberto e a artesanal?


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