Demétrio quis prolongar a noite obturando todas as frestas do quarto,para que não entrasse a luz.Luz não entrou.Demétrio gozou da noite plena, continuada,e todos os pensamentos lhe floresciam.Construiu sistemas filosóficos.A escuridão era propícia a teorias políticas.Nenhum crítico foi mais perspicaz do que Demétrio, na literatura e nas artes.Aquela noite era fantástica.Demétrio quis experimentar as sensações de horror, êxtase, humilhação, glória, poder e morte.Morreu, mesmo no escuro.Tendo sentido a morte em seu interior físico,não pôde mais tirá-la de si.É o único morto, conscientemente morto, de que já ouvi falar nesta vida. A noite é fantástica.
Contos Plausíveis, in Andrade, C. D. (1992): Poesia e Prosa, Rio de Janeiro: Aguilar, pg. 1240.